domingo, 25 de janeiro de 2009

Adeus à hora da largada - Agostinho Neto




Minha Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis

Mas a vida
matou em mim essa mística esperança

Eu já não espero
sou aquele por quem se espera

Sou eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos
partidos para uma fé que alimenta a vida

Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico

somos os teus filhos
dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz elétrica
os homens bêbedos a cair
abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos
com fome
com sede
com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas
com medo dos homens
nós mesmos

Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura

Nós vamos em busca de luz
os teus filhos Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
Vão em busca de vida.

2 comentários:

Unknown disse...

O ferro de engomar como se fosse um galo de costas para a rua, em Marcelo de outro tempo, do parapeito da janela, em pleno vento matutino, cheio de brasas vermelhas: assim eram as roupas da memória.

A abertura visual do sonho lançando tudo para um horizonte de vertigens: vi aí as cores ardentes do alucinado que certo dia despertou e voltou a dormir com olhos entreabertos.
Sou da matéria passada, espírito do futuro!

Unknown disse...

Ninguém!

Na escolha e na espera está a miséria!
Não veremos nunca a paisagem além da montanha,
Não teremos o coração rejuvenescido do doce ideal,
Nem provaremos o alimento capaz de nutrir nossas
entranhas mais profundas!

Certo dia supomos ser alguma coisa, e um relâmpago nos rompe por dentro: algo que pensávamos não ser, somos! Podemos chegar a ser possuídos por nós mesmos... Nasce, então, algo tão selvagem e diabólico quanto o primitivo que nunca abandonamos, e começamos nossa nova guerra pela claridade. Cada ideal tomba, cada amor, cada apego, cada fantasia. E vem a morte por fim e nos toma a vida! Mas nada se perde...

Só há um único segredo: quem de fato fez a pergunta sobre o segredo único?

Ninguém!