sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

EVOCAÇÃO DE SILÊNCIOS - Ferreira Gullar


O silêncio habitava
o corredor de entrada
de uma meia morada
na rua das Hortas

o silêncio era frio
no chão de ladrilhos
e branco de cal
nas paredes altas

enquanto lá fora
o sol escaldava

Para além da porta
na sala nos quartos
o silêncio cheirava
àquela família

e na cristaleira
(onde a luz
se excedia)
cintilava extremo:

quase se partia

Mas era macio
nas folhas caladas
do quintal
vazio

e
negro
no poço
negro

que tudo sugava:
vozes luzes
tatalar de asa

o que
circulava
no quintal da casa

O mesmo silêncio
voava em zoada
nas copas
nas palmas
por sobre telhados
até uma caldeira
que enferrujava
na areia da praia
do Jenipapeiro

e ali se deitava:
uma nesga dágua

um susto no chão

fragmento talvez
de água primeira

água brasileira

Era também açúcar
o silêncio
dentro do depósito
(na quitanda
de tarde)

o cheiro
queimando sob a tampa
no escuro

energia solar
que vendíamos
aos quilos

Que rumor era
esse ? barulho
que de tão oculto
só o olfato
o escuta ?

que silêncio
era esse
tão gritado
de vozes
(todas elas)
queimadas
em fogo alto ?

(na usina)

alarido
das tardes
das manhãs

agora em tumulto
dentro do açúcar

um estampido
(um clarão)
se se abre a tampa.

Um comentário:

Unknown disse...

"Eu sonhei que estava sonhando contigo
E de uma janela eu vi você se despir no terraço
Vestindo seu crepúsculo de púrpura preso em torno do seu cabelo
Que subia em cachos de ébano
Movendo-se num quarto de luz amarela
O ar está molhado de som
O latido distante de um cachorro ferido
E o solo bebe como uma torneira pingando
Sua casa é tão suave e some enquanto engole o calor do verão escuro
Uma luz se esvai e uma porta se abre
E um gato amarelo corre até o pátio
Um cheiro de framboesa amadeirada está respirando com calma pelo ar
Escuto sua risada de champagne
Você veste sua lavanda de orquídea
Uma em seus cabelos e outro em sua cintura
Uma corda de luzes de carnaval aparecem na aurora
Circulando o lago com um halo lento
E eu escuto um banjo tocando tango
E você dança à sombra da árvore escura
E eu observo-a enquanto desaparece
Eu a observo enquanto desaparece
Eu a observo enquanto desaparece..."

Tom Waits
http://oindividuo.com/convidado/martim37.htm
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