quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

No espelho - Raul Seixas


Às vezes quando me olho no espelho
Sinto medo. Medo de mim.
Eu não me conheço
Sou esquisito, sou humano
Uso óculos, como, bebo, fumo
Defeco
Mijo
Olho-me no espelho
E esse dá-me de volta quem sou.
Eu rio. Alto.

Assustado e engraçado
Duas longas coisas saindo do corpo:
São braços, pêlos, peles, nariz pontiagudo
Duas orelhas presas na cabeça
Olho os dedos.

Meus olhos me assustam
Falo, sinto emoções e tomo cerveja
Ridícula coisa ali em pé frente ao espelho
Eu me vejo de fora.
Faço abstração mental de que eu nunca vi
Um ser humano e me vejo.

É esquisito.
É realmente esquisito.

Procuro-me no espelho
E não me acho. Só vejo aquilo ali.
Parado. Um monte de carnes equilibradas
por ossos duros que me mantêm em pé.
Ali.
No espelho. Eu sei que não sou aquilo
E o que eu sou, o espelho não pode
me mostrar...

AINDA... eu não brilho...
Ainda...

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