E nos libertamos uns dos outros… É tudo.
Bergman se incomoda com o fato de que alguns de seus filmes não traduzem o que acontece com ele. É como se o diretor visse seus filmes como uma espécie de diário filmado, a idéia de que seus filmes pudessem ser vistos (por ele) como ficção não parece passar por sua mente. A idéia de tomar seus filmes como obras de ficção, onde poderia fazer colagens entre fatos de sua vida e elementos ficcionais, parece até mesmo irritar o diretor – exemplo disso seria Através de Um Espelho (1961).
Bergman conta que em O Sétimo Selo (1957) se encontram muitas recordações de sua infância . Como seu pai era pastor, Bergman guardou na lembrança os interiores das igrejas que visitou. Retábulos, crucifixos, vitrais, murais, todos os temas cristãos podem ser encontrados aqui, o cavaleiro jogando xadrez com a Morte é um deles. Bergman admite que O Sétimo Selo seja um dos poucos filmes que dirigiu que acalenta seu coração. Até esse momento, o diretor ainda mantém uma relação com a religião, acreditando que algum diálogo é possível com esse universo – a relação amistosa entre o cavaleiro, com sua crença religiosa, e o escudeiro, com seu racionalismo adulto, é prova disso. Ele ainda acredita que existe alguma salvação for a deste mundo. A família também receber neste filme um voto de confiança.
Até seus vinte anos Bergman tinha muito medo da morte, um medo muito ligado a concepções religiosas. A idéia de que existisse um limiar a partir do qual perdemos todo o controle sobre nós, sempre o havia amedrontado - em Fanny e Alexander (1982), o momento em que Alexander demonstra medo em se aproximar de seu pai moribundo. A criação da figura da Morte para O Sétimo Selo teria sido um primeiro passo contra esse horror da morte – que talvez culmine no comentário de Alexander, novamente em Fanny e Alexander: “Se há Deus, ele é um merda e queria chutar seu rabo”.
Acreditou que ao maquiar de branco o rosto da Morte, poderia trazer o universo dos palhaços. Para o personagem da Morte, Bergman criou uma síntese entre uma caveira e um palhaço . Ele conta que tinha dúvidas de que o público fosse identificar a Morte com aquele ator vestido de preto com o rosto maquiado de branco, mas tudo deu certo. O diretor afirma, “O Sétimo Selo é, definitivamente, a expressão de uma das últimas idéias e manifestações de fé que eu herdara de meu pai e que alimentara desde a infância. Quando fiz o filme, as orações eram realidades em minha vida. Rezar, para mim, era um ato absolutamente natural” . Foi a partir de Através de Um Espelho que essa fé deu lugar a uma forma mais fatalista de ver o mundo. A santidade está dentro de cada um de nós, santidade que está neste mundo e não fora dele. O deus-aranha de Karin não é um acaso. Este filme afirma a tese de que todo conceito divino é obra humana, e sempre é um conceito monstro. Um monstro com dois rostos, deus-aranha.
A incapacidade de colocar-se fora do alcance das pressões sociais que nos arrastam para longe de nós mesmos, e a conseqüente necessidade de viver protegido por trás de uma máscara, ainda que seja uma opção dilacerante. Eis aí o tema de O Rosto (1958), eis aí a transcrição para a tela de cinema dos sentimentos de Bergman na época. Bergman se transcreve no personagem Johan Spengel, ele é alguém que morre duas vezes e o primeiro a perceber as dissimulações do mágico Vogler. Spengel afirma que Vogler “é um charlatão que necessita esconder seu verdadeiro rosto” . Afirma também que nosso único movimento é em direção às trevas. Na época Bergman se sentia como uma prostituta em relação a sua função de direção do Teatro Municipal de Malmö, cuja demanda era apenas por dinheiro.
O tema é retomado em O Rito (1969), onde as personas em que Bergman se divide são três. Sebastian Fischer é um sujeito irresponsável, Hans Wikelman é um homem organizado e Thea é condescendente e tem necessidade de agradar . Nessa altura, Bergman deixa o cargo de diretor do Teatro Municipal em estado de raiva, pois apesar de ter tirado o teatro do anonimato só recebeu críticas. Os três personagens estão indissoluvelmente ligados, e só a partir de uma tensão entre eles cada um pode fazer alguma coisa. Nas palavras de Bergman, “Isto foi uma tentativa honesta de me dissecar a mim mesmo, de revelar como, no fundo, eu funciono. De expor as forças que mantêm a máquina de meu eu em marcha” .
Bergman segue em sua genealogia de personagens de si mesmo. Thea tem três irmãs, que habitam outros de seus filmes: Karin, de Através de Um Espelho, que atravessa papéis de parede e conversa com um deus-aranha; Agnes, de Gritos e Sussurros (1973), que está bloqueada entre a vida e a morte (como Spengel, ela também morreu duas vezes); Aman/Manda, de O Rosto, cuja sexualidade varia sem cessar. Como primo de Bergman, entra aí Ismael, de Fanny e Alexander, um garoto que é mantido num quarto fechado. Segundo Bergman, durante sua estada no Teatro Municipal, somente Hans Winkelman esteve presente, ou ativo. Uma fala de Thea traduz o sentimento de Bergman. Ela acha que está vivendo por demais em função dos personagens que cria em sua mente, então vai a um médico queixar-se:
“(…) [Ele] afirmou que não é bom nos afastarmos da realidade, como eu fazia. Então perguntei se a realidade era a idéia que a maior parte das pessoas fazia da vida, e se havia possibilidade de existirem vários tipos de realidade, todas elas igualmente reais. A tudo isso o médico respondeu que o que se deveria fazer era viver da melhor maneira possível. Depois, quando lhe disse que eu de forma alguma era infeliz, ele encolheu os ombros e começou a escrever a receita”.
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Bergman se incomoda com o fato de que alguns de seus filmes não traduzem o que acontece com ele. É como se o diretor visse seus filmes como uma espécie de diário filmado, a idéia de que seus filmes pudessem ser vistos (por ele) como ficção não parece passar por sua mente. A idéia de tomar seus filmes como obras de ficção, onde poderia fazer colagens entre fatos de sua vida e elementos ficcionais, parece até mesmo irritar o diretor – exemplo disso seria Através de Um Espelho (1961).
Bergman conta que em O Sétimo Selo (1957) se encontram muitas recordações de sua infância . Como seu pai era pastor, Bergman guardou na lembrança os interiores das igrejas que visitou. Retábulos, crucifixos, vitrais, murais, todos os temas cristãos podem ser encontrados aqui, o cavaleiro jogando xadrez com a Morte é um deles. Bergman admite que O Sétimo Selo seja um dos poucos filmes que dirigiu que acalenta seu coração. Até esse momento, o diretor ainda mantém uma relação com a religião, acreditando que algum diálogo é possível com esse universo – a relação amistosa entre o cavaleiro, com sua crença religiosa, e o escudeiro, com seu racionalismo adulto, é prova disso. Ele ainda acredita que existe alguma salvação for a deste mundo. A família também receber neste filme um voto de confiança.
Até seus vinte anos Bergman tinha muito medo da morte, um medo muito ligado a concepções religiosas. A idéia de que existisse um limiar a partir do qual perdemos todo o controle sobre nós, sempre o havia amedrontado - em Fanny e Alexander (1982), o momento em que Alexander demonstra medo em se aproximar de seu pai moribundo. A criação da figura da Morte para O Sétimo Selo teria sido um primeiro passo contra esse horror da morte – que talvez culmine no comentário de Alexander, novamente em Fanny e Alexander: “Se há Deus, ele é um merda e queria chutar seu rabo”.
Acreditou que ao maquiar de branco o rosto da Morte, poderia trazer o universo dos palhaços. Para o personagem da Morte, Bergman criou uma síntese entre uma caveira e um palhaço . Ele conta que tinha dúvidas de que o público fosse identificar a Morte com aquele ator vestido de preto com o rosto maquiado de branco, mas tudo deu certo. O diretor afirma, “O Sétimo Selo é, definitivamente, a expressão de uma das últimas idéias e manifestações de fé que eu herdara de meu pai e que alimentara desde a infância. Quando fiz o filme, as orações eram realidades em minha vida. Rezar, para mim, era um ato absolutamente natural” . Foi a partir de Através de Um Espelho que essa fé deu lugar a uma forma mais fatalista de ver o mundo. A santidade está dentro de cada um de nós, santidade que está neste mundo e não fora dele. O deus-aranha de Karin não é um acaso. Este filme afirma a tese de que todo conceito divino é obra humana, e sempre é um conceito monstro. Um monstro com dois rostos, deus-aranha.
A incapacidade de colocar-se fora do alcance das pressões sociais que nos arrastam para longe de nós mesmos, e a conseqüente necessidade de viver protegido por trás de uma máscara, ainda que seja uma opção dilacerante. Eis aí o tema de O Rosto (1958), eis aí a transcrição para a tela de cinema dos sentimentos de Bergman na época. Bergman se transcreve no personagem Johan Spengel, ele é alguém que morre duas vezes e o primeiro a perceber as dissimulações do mágico Vogler. Spengel afirma que Vogler “é um charlatão que necessita esconder seu verdadeiro rosto” . Afirma também que nosso único movimento é em direção às trevas. Na época Bergman se sentia como uma prostituta em relação a sua função de direção do Teatro Municipal de Malmö, cuja demanda era apenas por dinheiro.
O tema é retomado em O Rito (1969), onde as personas em que Bergman se divide são três. Sebastian Fischer é um sujeito irresponsável, Hans Wikelman é um homem organizado e Thea é condescendente e tem necessidade de agradar . Nessa altura, Bergman deixa o cargo de diretor do Teatro Municipal em estado de raiva, pois apesar de ter tirado o teatro do anonimato só recebeu críticas. Os três personagens estão indissoluvelmente ligados, e só a partir de uma tensão entre eles cada um pode fazer alguma coisa. Nas palavras de Bergman, “Isto foi uma tentativa honesta de me dissecar a mim mesmo, de revelar como, no fundo, eu funciono. De expor as forças que mantêm a máquina de meu eu em marcha” .
Bergman segue em sua genealogia de personagens de si mesmo. Thea tem três irmãs, que habitam outros de seus filmes: Karin, de Através de Um Espelho, que atravessa papéis de parede e conversa com um deus-aranha; Agnes, de Gritos e Sussurros (1973), que está bloqueada entre a vida e a morte (como Spengel, ela também morreu duas vezes); Aman/Manda, de O Rosto, cuja sexualidade varia sem cessar. Como primo de Bergman, entra aí Ismael, de Fanny e Alexander, um garoto que é mantido num quarto fechado. Segundo Bergman, durante sua estada no Teatro Municipal, somente Hans Winkelman esteve presente, ou ativo. Uma fala de Thea traduz o sentimento de Bergman. Ela acha que está vivendo por demais em função dos personagens que cria em sua mente, então vai a um médico queixar-se:
“(…) [Ele] afirmou que não é bom nos afastarmos da realidade, como eu fazia. Então perguntei se a realidade era a idéia que a maior parte das pessoas fazia da vida, e se havia possibilidade de existirem vários tipos de realidade, todas elas igualmente reais. A tudo isso o médico respondeu que o que se deveria fazer era viver da melhor maneira possível. Depois, quando lhe disse que eu de forma alguma era infeliz, ele encolheu os ombros e começou a escrever a receita”.
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