segunda-feira, 9 de março de 2009

Ossos de Siba - Eugenio Montale


OSSOS DE SIBA

Não busques abrigo na sombra
desse bosque de verdura
qual o falcão que mergulha
como um raio na canícula.

É hora de deixar quieto
o caniçal sonolento
e de observar as formas
da vida que se esboroa

Caminhamos numa poeira
de madrepérola vibrante,
num ofuscamento pegajoso
que quase nos desfibra.

No entanto, tu o sentes, mesmo na onda árida
que lassidão nos traz neste instante de enfado
não é hora ainda de lançar num abismo
nossas vidas errantes.

Como este claustro de rochas
que parece desfiar-se
em teias de nuvens;
assim nossas almas ressequidas

onde a ilusão mantém aceso
um fogo mais de cinzas
se entregam à serenidade
de uma certeza: da luz.

Repenso o teu sorriso e é para mim como uma água límpida
retida por acaso entre as pedras de um rio,
exíguo espelho onde contemplas uma hera e seus corimbos;
e tudo sob o abraço de um branco céu tranqüilo.

Esta é a minha lembrança; não sei dizer, faz tanto tempo,
se de teu rosto surge livre uma alma ingênua,
ou se em verdade és dos errantes que o mal do mundo exaure
e o sofrimento carregam como um talismã.

Mas posso dizer-te isto, que teu rosto recordado
afoga a mágoa inconstante numa onda de calma,
e que tua figura se insinua em minha memória nevoenta
imaculada como a copa de uma jovem palmeira...

(tradução: Geraldo H. Cavalcanti)

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