sábado, 27 de dezembro de 2008

Estrada - António Cardoso


Luanda Dondo vão,
cento e tal quilômetros
mangas e cajus
marcos brancos
meninos nus

Branco algodão
crescendo
corpos negros
na cacimba

O Lucala corre
confiante
indiferente à ponte que ignora

Verdes matas
Sangram vermelhas acácias
imbondeiros festejam
o minuto da flor anual

Na estrada
o rebanho alinha
pelo verde
verde capim

Adivinhados
caqui lacraus
de capacete giz
trazem a morte

Meninos
se embalam
em mães velhas
de varizes:

Rios azuis
da longa estrada

E é fevereiro
sardões ao sol
Cassoalala

Eia Mucoso
tão cheio agora
Adivinhados
permanecem
lacraus caqui
capacetes giz

Não param as colheitas
Que razão seriam
fevereiro
acácias sangrando vermelho
verdes sisais
cantando o parto
da única flor?

Não param as colheitas!

António Cardoso, in "No reino de Caliban II"- antologia panorâmica de poesia africana de expressão portuguesa

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