sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Um cadáver de poeta - Alvares de Azevedo


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Morreu um trovador — morreu de fome.Acharam-no deitado no caminho:Tão doce era o semblante! Sobre os lábiosFlutuava-lhe um riso esperançoso.E o morto parecia adormecido.Ninguém ao peito recostou-lhe a fronteNas horas da agonia! Nem um beijoEm boca de mulher! nem mão amigaFechou ao trovador os tristes olhos!Ninguém chorou por ele... No seu peitoNão havia colar nem bolsa d'oiro;Tinha até seu punhal um férreo punho...Pobretão! não valia a sepultura!
Todos o viam e passavam todos.Contudo era bem morto desde a aurora.Ninguém lançou-lhe junto ao corpo imóvelUm ceitil para a cova!... nem sudário!
O mundo tem razão, sisudo pensa,E a turba tem um cérebro sublime!De que vale um poeta — um pobre loucoQue leva os dias a sonhar — insanoAmante de utopias e virtudesE, num tempo sem Deus, ainda crente?
(...)

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