terça-feira, 3 de março de 2009

Livro Viagem - Cecília Meireles


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 1901, mesma cidade em que morreu, a 9 de novembro de 1964. Além de poetisa, foi professora, pedagoga e jornalista. Nessas três profissões desenvolveu trabalhos de grande valor. Na poesia, escreveu algumas das melhores de toda nossa literatura; como jornalista atuou com seriedade em frente a uma imprensa dominada pela repressão e censura do governo Vargas, apesar disso soube defender os seus ideais; como professora e pedagoga sempre lutou por uma educação democrática e igualitária. Desde cedo aprendeu a conviver com a solidão e com a morte, por isso mesmo defendeu em seus temas algumas das suas melhores poesias. Ninguém mais que ela mesma para falar de sua vida:

"Nasci no Rio de Janeiro, três meses depois da (Cecília Meireles, em desenho de Apard Szènes) morte do meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas ao mesmo tempo me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno. Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento da minha personalidade." (Cecília Meireles)

A paixão pelos livros e a leitura norteiam o caminho da jovem Cecília. Aos 16 anos, ela se diploma professora. A vontade e o fascínio pelo "saber" a conduzem, então, para o estudo de outros idiomas e para o Conservatório Nacional de Música, onde tem aulas de canto e violino. Ainda que "fizesse versos" e compusesse cantigas para os seus brinquedos desde a escola primária, é na adolescência que Cecília Meireles começa a "escrever poesias", segundo sua própria definição. Em 1919, aos 18 anos, ela publica seu primeiro livro de poemas:Espectros, iniciando um período de grande produção.
Sua obra marcada didaticamente pelo Modernismo, não deixou de ter a influência do Simbolismo e de técnicas encontradas no classicismo, gongorismo, romantismo, parnasianismo, realismo e surrealismo. Como se vê, Cecília não tinha uma estética específica, pois sua obra sofre influência dos mais diferentes estilos de época. Mas se existe algo que ela soube trabalhar com muito domínio e sensibilidade foi o lirismo, não qualquer lirismo, mas um profundo lirismo de fazer-nos ler e reler sua obra. Observe o que há no se poema Canção:

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.


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